
Eu amo a madrugada, essa escura e silenciosa criatura da noite. Nela eu sonho, mesmo quando estou acordado. Lembro, penso, faço planos. O corpo está cansado, mas o desejo é inquietante. Oh, a madrugada perfeita dos amantes! Dela sou amante, e nela sou amante. Eis uma sedutora solidão, pois no escuro, mesmo acompanhados parecemos sós. Nossos sentidos nos enganam, e os heróis dormem em outros cantos, outros quartos, outros cais, e nem parece mais aquele mundo de algumas horas atrás. Aliás, nesse momento até as horas passam de maneira diferente, passam envolvidas no clima da madruga, acolhedor e displicente. O coração bate mais forte e, agora, ele que geralmente é sufocado pela rotina do dia-a-dia, pode ser escutado afirmando sua existência, que também é a nossa. Um jazz, um pedaço de papel e diversas possibilidades, mas o corpo e a cama (outros grandes sedutores) também reclamam sua parcela de aproveitamento das delícias madrugais, e então, é inevitável fechar os olhos e se deixar levar, mas pra mim a madrugada não se acaba aqui, ou melhor, não se acaba nunca, ela é contínua, infinita...se disfarça, se esconde, se transforma, dá um tempo, mas sempre quer voltar pra oferecer o seu sabor, doce, misterioso, sonolento e aconchegante.